clarice lispector

 

revelación de un mundo

a descoberta do mundo

 

 

traducción: Amalia Sato

Adriana Hidalgo editora

octubre de 2005

Buenos Aires

 

 

 

la verdadera novela

 

 

 

 

Bien sé a qué llaman una verdadera novela.

Sin embargo, al leerla, con sus tramas de hechos y descripciones, me siento disgustada. Y cuando escribo no es la clásica novela. Aunque es novela. Sólo que me guía al escribirla siempre un sentido de investigación y descubrimiento.

No, no de sintaxis por la sintaxis en sí, sino de una sintaxis que se aproxime lo más posible y me aproxime a lo que estoy pensando en el momento de escribir.

Por otra parte, pensándolo mejor, nunca elegí un lenguaje. Lo que hice, sólo, fue obedecerme.

Obedecerme —es en verdad lo que hago cuando escribo, y ahora mismo es así.

Voy siguiéndome, aun sin saber a qué me llevará. A veces seguirme es tan difícil —por estar siguiendo en mí lo que no pasa de una nebulosa— que acabo desistiendo.

¿Y las novelas que escribo que no pasan del título?

Porque sería muy difícil escribirlas o porque, teniendo ya una idea precisa del desarrollo de la historia, pierdo la curiosidad de escribirla.

Si bien representa un gran riesgo, sólo es bueno escribir cuando todavía no se sabe lo que sucederá.

Ahora mismo, en este mismo instante, o mejor, hay algunos instantes en que interrumpí para atender el teléfono, nació en mí un título de lo que sería un cuento o una novela: El montañés. El título no tiene gracia, bien lo sé. Y sé lo que sería: no se trataría de un hombre de las montañas, sino del ascenso gradual de un hombre a lo largo de la vida hasta llegar a una cumbre simbólica, o no simbólica de una montaña, de donde vería su pasado y también lo que le quedaba todavía por subir, es decir, un poco más de futuro.

Y lo que veía no era bonito, ni bueno, ni malo, ni feo, era lo que fatalmente la vida había hecho de él y sobre todo lo que fatalmente él había hecho de la vida.

Y ahí viene el problema: ¿hasta qué punto había sido fatal lo que había hecho en la vida y ésta de él? ¿Hasta qué punto había habido una elección? Me estoy confundiendo toda con esta historia que jamás escribiré. Y yo, que ya viajé mucho y no quiero viajar más, ¿cómo es que nunca se me ocurrió ni se me ocurrirá nunca escribir un libro de viajes? Con perdón de la palabra, soy un misterio para mí.

Y, también formando parte de ese misterio, ¿por qué leo tan poco? Lo que era de esperar era que tuviera una verdadera sed de lecturas. Para ver también qué hacen los otros. Pero solamente logro leer cosas que, de ser posible, vayan directo a lo que quieren decir.

No, positivamente, no me entiendo. Bien, pero el hecho es que aun no entendiéndome, me encamino lentamente —y hacia dónde, no lo sé. De una manera general, hacia más amor por todo. ¿Es vago “más amor por todo”? Incluso más amor incluye una vigilancia mayor para encontrar bonito lo que no lo es.

Y, aunque la palabra humano me dé escalofríos, de tan cargada con sentidos variados y vacíos que fue volviéndose, siento que me encamino hacia lo más humano. Al mismo tiempo, las cosas del mundo —los objetos— se están volviendo cada vez más importantes para mí. Veo los objetos sin casi mezclarme con ellos, viéndolos por sí mismos.

Entonces a veces se vuelven fantásticos y libres, como si fueran algo nacido y no hecho por personas.

Si me encamino hacia lo más humano eso no quiere decir que yo necesite perder esa cualidad que tengo a veces de mirar la cosa por la cosa. Porque —y ahí voy entrando con un sofisma sólo para defenderme— si siendo gente consigo ir, ¿por qué habría de perder esa capacidad al volverme más gente? Ah, Dios, siento que es puro sofisma. Por otra parte, el sofisma como forma de raciocinio siempre me atrajo un poco, pasó a ser uno de mis defectos.

Explicable porque siempre tuve que defenderme mucho, y con sofismas se logra. Tal vez, quién sabe, yo que ahora me defiendo menos, deje por el camino el raciocinio-sofisma.

Tal vez no necesite ya ganar para defenderme.

El sofisma hace ganar mucho en discusiones —hace años que no discuto— y en explicación para sí de las propias acciones inexplicables, etc.

De ahora en adelante me gustaría defenderme así: es así porque quiero. Y que eso bastara.

Bien, fui escribiendo al correr del pensamiento y veo ahora que me he alejado tanto del comienzo que el título de esta columna ya no tiene nada que ver con lo que escribí.

Paciencia.

 

 

 

 

 

o verdadeiro romance

 

 

 

Bem sei o que é o chamado verdadeiro romance. No entanto, ao lê-lo, com suas tramas de fatos e

descrições, sinto-me apenas aborrecida. E quando escrevo não é o clássico romance. No entanto é

romance mesmo. Só o que me guia ao escrevê-lo é sempre um senso de pesquisa e de descoberta.

Não, não de sintaxe pela sintaxe em si, mas de sintaxe o mais possível se aproximando do que

estou pensando na hora de escrever. Aliás, pensando melhor, nunca escolhi linguagem. O que eu fiz,

apenas, foi ir me obedecendo.

Ir me obedecendo – é na verdade o que faço quando escrevo, e agora mesmo está sendo

assim. Vou me seguindo, mesmo sem saber ao que me levará. Às vezes ir me seguindo é tão difícil

– por estar seguindo em mim o que ainda não passa de uma nebulosa – que termino desistindo.

E os romances que escrevo que não passam do título? Porque seria muito difícil escrevê-los

ou porque, já tendo uma ideia precisa do desenrolar-se da história, perco a curiosidade de escrevêla.

Embora representando grande risco, só é bom escrever quando ainda não se sabe o que

acontecerá. Agora mesmo, neste próprio instante, ou melhor, há alguns instantes em que

interrompi para atender o telefone, nasceu-me um título do que seria um conto ou um romance:

O montanhês. O título é sem graça, bem sei. E sei o que seria: não se trataria de um homem das

montanhas, mas da subida gradual de um homem através da vida até chegar a um cume simbólico,

ou não simbólico de uma montanha, de onde ele veria o seu passado e também o que lhe restava

ainda a subir, isto é, um pouco mais de futuro.

E o que ele via não era bonito, nem bom, nem ruim, nem feio, era o que fatalmente a vida

fizera dele e sobretudo o que fatalmente ele fizera da vida. E aí vem o problema: até que ponto

fora fatal o que ele fizera na vida e esta dele? Até que ponto houvera escolha? Estou me

confundindo toda com esta história que jamais escreverei.

E eu, que já viajei bastante e não quero mais viajar, como é que nunca me ocorreu nem

ocorrerá jamais escrever um livro de viagens? Com perdão da palavra, sou um mistério para mim.

E, ainda fazendo parte desse mistério, por que leio tão pouco? O que era de esperar é que eu

tivesse verdadeira fome de leituras. Também para ver o que os outros fazem. No entanto só

consigo ler coisas que, se possível, caminhem direto ao que querem dizer. Não, positivamente não

me entendo. Bem, mas o fato é que mesmo não me entendendo, vou lentamente me

encaminhando – e também para o quê, não sei. De um modo geral, para mais amor por tudo. É

vago “mais amor por tudo”? Inclusive mais amor inclui uma alerteza maior para achar bonito o

que nem mesmo bonito é.

E, embora a palavra humano me arrepie um pouco, de tão carregada de sentidos variados e vazios

essa palavra foi ficando, sinto que me encaminho para o mais humano. Ao mesmo tempo as coisas

do mundo – os objetos – estão se tornando cada vez mais importantes para mim. Vejo os objetos

sem quase me misturar com eles, vendo-os por eles mesmos. Então às vezes se tornam fantásticos

e livres, como se fossem coisa nascida e não feita por pessoas. Se eu for me encaminhando para o

mais humano não quer dizer que eu precise perder essa qualidade que tenho às vezes de enxergar a

coisa pela coisa. Porque – e aí vou eu entrando com sofisma só para me defender – se sendo gente

eu consigo ir, por que haveria de perder essa capacidade ao me tornar mais gente? Ah, Deus, sinto

que é puro sofisma. Aliás o sofisma como forma de raciocínio sempre me atraiu um pouco, passou

a ser um de meus defeitos. Explicável porque sempre tive que me defender muito, e com sofismas

se consegue. Talvez, quem sabe, eu que agora me defendo menos, largue pelo caminho o

raciocínio-sofisma. Talvez eu não precise mais ganhar para me defender. O sofisma faz ganhar

muito em discussões – há anos que não discuto – e em explicação para si mesma das próprias ações

inexplicáveis, etc. De agora em diante eu gostaria de me defender assim: é porque eu quero. E que

isso bastasse.

Bem, fui escrevendo ao correr do pensamento e vejo agora ter me afastado tanto do começo que

o título desta coluna já não tem nada a ver com o que escrevi.

Paciência.

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

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