al correr de la máquina
clarice lispector
revelación de un mundo
a descoberta do mundo
al correr de la máquina
clarice lispector
revelación de un mundo
a descoberta do mundo
Traducción: Amalia Sato
Adriana Hidalgo editora
2005
Buenos Aires
al correr de la máquina
Mi Dios, qué vasto fue siempre el mundo y cómo voy a morir yo un
día. ¿Y hasta morir voy a vivir sólo momentos? No, dadme más que
momentos. No porque los momentos sean pocos, sino porque los
momentos raros matan de amor por su rareza.
¿Será que os amo, momentos? ¿Sí? ¿O no?
Quiero que los otros comprendan lo que jamás entenderé.
Quiero que me den esto: no la explicación, sino la comprensión.
¿Será que voy a tener que vivir la vida entera a la espera de que el
domingo pase?
Y ella, la mucama que limpia, que vive en Raiz da Serra y se
despierta a las cuatro de la madrugada para empezar el trabajo a la
mañana en la Zona Sur, de donde vuelve tarde a Raiz da Serra, a tiempo
para dormir y para despertarse a las cuatro de la mañana y comenzar el
trabajo en la Zona Sur, de donde.
—Yo voy a darte mi secreto mortal: vivir no es un arte.
Mintieron los que dijeron eso. ¡Ah! existen feriados en que todo se vuelve
tan peligroso. Pero la máquina corre antes que mis dedos corran.
La máquina escribe en mí. Y yo no tengo secretos, sino precisamente los
mortales. Tan sólo aquellos que me bastan para hacer de mí una criatura con
mis ojos que un día ha de morir.
¿Qué diré de lo que acaba de sucederme? Pues sucedió que todo se paga —y
que se paga tan cara la vida que hasta se muere.
Pasear por los campos con una criatura-fantasma y estar de la mano con lo
que se perdió, y los campos ilimitados con su belleza no ayudan: las manos
se aferran como garras que no quieren perderse.
¿Se ganaría algo matando a la criatura-fantasma para quedar libre?
¿Pero qué harían los grandes campos donde no se tuvo la previsión de plantar
ninguna flor salvo la de un fantasmita cruel?
Cruel por ser una criatura y ser exigente.
¡Ah! soy demasiado realista: sólo ando con mis fantasmas.
ao correr da máquina
Meu Deus, como o mundo sempre foi vasto e como eu vou morrer um dia. E até morrer vou viver apenas momentos?
Não, dai-me mais do que momentos. Não porque momentos sejam poucos, mas porque momentos raros matam de
amor pela raridade.
Será que eu vos amo, momentos?
Responde, a vida que me mata aos poucos: eu vos amo, momentos? Sim? Ou não? Quero que os outros compreendam
o que jamais entenderei.
Quero que me deem isto: não a explicação, mas a compreensão.
Será que vou ter que viver a vida inteira à espera de que o domingo passe?
E ela, a faxineira, que mora na Raiz da Serra e acorda às quatro da madrugada para começar o trabalho da manhã
na Zona Sul, de onde volta tarde para a Raiz da Serra, a tempo de dormir para acordar às quatro da manhã e começar
o trabalho na Zona Sul, de onde.
– Eu vou te dar o meu segredo mortal: viver não é uma arte.
Mentiram os que disseram isso. Ah! existem feriados em que tudo se torna tão perigoso. Mas a máquina corre antes
que meus dedos corram.
A máquina escreve em mim. E eu não tenho segredos, senão exatamente os mortais. Apenas aqueles que me bastam
para me fazer ser uma criatura com os meus olhos e um dia morrer.
Que direi disso que agora me ocorreu? Pois ocorreu-me que tudo se paga – e que se paga tão caro a vida que até se
morre.
Passear pelos campos com uma criancinha-fantasma é estar de mãos dadas com o que se perdeu, e os campos
ilimitados com sua beleza não ajudam: as mãos se prendem como garras que não querem se perder. Adiantaria matar
a criancinha-fantasma e ficar livre?
Mas o que fariam os grandes campos onde não se teve a previdência de plantar nenhuma flor senão a de um
fantasminha cruel?
Cruel por ser criancinha e exigente. Ah! sou realista demais: só ando com os meus fantasmas.
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