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Releo en una de estas somnolencias sin sueño, en que nos entretenemos inteligentemente sin la inteligencia, algunas de las páginas que formarán, todas juntas, mi libro de impresiones sin nexo. Y de ellas me sube, como un olor de cosa conocida, una impresión desierta de monotonía. Siento que, incluso al decir que soy siempre diferente, he dicho siempre lo mismo; que soy más análogo a mí mismo que lo que querría confesar; que, a fin de cuentas, no he tenido la alegría de ganar ni la emoción de perder. Soy una ausencia de saldo de mí mismo, sin un equilibrio involuntario que me desola y debilita. Todo cuanto he escrito es pardo. Se diría que mi vida, incluso la mental, es un día de lluvia lenta, en que todo es desacontecimiento y penumbra, privilegio vacío y razón olvidada. Me desolo a seda rota. Me desconozco a luz y tedio. Mi esfuerzo humilde, de siquiera decir quién soy, de registrar, como una máquina de nervios, las impresiones mínimas de mi vida subjetiva y aguda, todo esto se me ha vaciado como un balde en el que hubiesen tropezado, y se derramó por la tierra como el agua de todo.
Me he fabricado con pinturas falsas, he resultado a imperio de trampa. Mi corazón, a quien fié los grandes acontecimientos de la prosa vivida, me parece hoy, escrito en la distancia de estas páginas releídas con otra alma, una bomba de huerto de provincias, instalada por instinto y maniobrada por servicio. He naufragado sin tormenta en un mar en el que se puede estar de pie. Y pregunto a lo que me queda de consciente en esta serie confusa de intervalos entre cosas que no existen, de qué me ha servido llenar tantas páginas de frases en las que he creído como mías, de emociones que he sentido como pensadas, de banderas y pendones que son, al final, papeles pegados con saliva por la hija del mendigo debajo de los aleros. Pregunto a lo que me queda de mí a qué vienen estas páginas inútiles, consagradas a la basura y al extravío, perdidas antes de ser entre los papeles rotos del Destino.
Pregunto y prosigo. Escribo la pregunta, la envuelvo en nuevas frases, desmadejada de nuevas emociones. Y mañana volveré a escribir, en la secuencia de mi libro estúpido, las impresiones diarias de mi desconvencimiento con frío. Sigan, tales como son. Jugado el dominó, y ganado el juego, o perdido, las fichas se ponen bocabajo y el juego terminado es negro.
Libro del desasosiego de Bernardo Soares
Fernando Pessoa
Traducción del portugués, organización,
introducción y notas de Ángel Crespo
Seix Barral
1984
442
Releio, em uma destas sonolências sem sono, em que nos entretemos inteligentemente sem a inteligência, algumas das páginas que formarão, todas juntas, o meu livro de impressões sem nexo. E delas me sobe, como um cheiro de coisa conhecida, uma impressão deserta de monotonia. Sinto que, ainda ao dizer que sou sempre diferente, disse sempre a mesma coisa; que sou mais análago a mim mesmo do que quereria confessar; que, em fecho de contas, nem tive a alegria de ganhar nem a emoção de perder. Sou uma ausência de saldo de mim mesmo, de um equilíbrio involuntário que me desola e enfraquece. Tudo, quanto escrevi, é pardo. Dir-se-ia que a minha vida, ainda a mental, era um dia de chuva lenta, em que tudo é desacontecimento e penumbra, privilégio vazio e razão esquecida. Desolo-me a seda rota. Desconheço-me a luz e tédio. Meu esforço humilde, de sequer dizer quem sou, de registar, como uma máquina de nervos, as impressões mínimas da minha vida subjectiva e aguda, tudo isso se me esvaziou como um balde em que esbarrassem, e se molhou pela terra como a água de tudo.
Fabriquei-me a tintas falsas, resultei a império de trapeira. Meu coração, de quem fiei os grandes acontecimentos da prosa vivida, parece-me hoje, escrito na distância destas páginas relidas com outra alma, uma bomba de quintal de província, instalada por instinto e manobrada por serviço. Naufraguei sem tormenta num mar onde se pode estar de pé.
E pergunto, ao que me resta de consciente nesta série confusa de intervalos entre coisas que não existem, de que me serviu encher tantas páginas de frases em que acreditei como minhas, de emoções que senti como pensadas, de bandeiras e pendões de exércitos que são, afinal, papéis colados com cuspo pela filha do mendigo debaixo dos beirais. Pergunto ao que me resta de mim a que vêm estas páginas inúteis, consagradas ao lixo e ao desvio, perdidas antes de ser entre os papéis rasgados do Destino.
Pergunto, e prossigo. Escrevo a pergunta, embrulho-a em novas frases, desmeado-a de novas emoções. E amanhã tornarei a escrever, na sequência do meu livro estúpido, as impressões diárias do meu desconvencimento com frio.
Sigam, tais como são. Jogado o dominó, e ganho o jogo, ou perdido, as pedras viram-se para baixo e o jogo findo é negro.
Livro do Desassossego
Fernando Pessoa
Composto por Bernardo Soares
ajudante de Guarda-livros na cidade de Lisboa
Formatado pelo grupo papirolantes
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